Marconi Barros, um ausente picoense

Marconi Barros, um ausente picoense

Segura na Mão de Deus, pois ela, ela te sustentará ...

.......... PICOS Piauí brasil
Textos

Os Nomes da Pracinha
-  Praça Coronel Senador Plínio  Bezerra,  Praça do Cabo, Praça do Grinaldo e Praça do Borrado. É hoje Pracinha que já foi também antes da primeira inauguração.  
- Pai, por que tantos nomes ?
- Cada nome, um motivo. De batismo foi Praça Coronel Senador Plínio  Bezerra.
- Coronel Senador ?
- O Coronel Plínio foi a primeira autoridade local antes de  lei e  governo chegarem. Quando veio o aparelho do governo nomearam-no delegado;  prefeito ele se fez eleger. Coronel não era patente, era apelido pela participação na Segunda Guerra  sendo cabo. Os adversários  políticos só chamavam-na Praça do Cabo.
- E Senador ?
- Pela ditadura morreu aí um senador biônico, faltando três meses para o fim do mandato, o presidente então pediu alguém não muito esclarecido mas  bem intencionado. Três meses de senado e o homem  virou Coronel Senador.
- Praça do Borrado ?
- No fim da vida o velho degenerou-se. Desgostoso da família criou um grupo de carraspana e vivia de cara cheia, com um chapelão de palha, abas caídas, batizado pelos invejosos de “lá vem o bobo”, alparcatas de seminarista e um camisão de algodão cru sem golas. Entrava de ceroulas e a cavalo na prefeitura,  no bar, na biblioteca e só não adentrava na igreja porque o vigário era da confraria da pinga  também. As portas que o senador não abria, o Coronel derrubava.
- Daí o apelido de Borrado ?
- Não, Borrado era o Borrado mesmo, Tunico Magoado,  um sapateiro degenerado que vivia bêbado, boca suja,  falador, sabia de tudo sobre todos, se não sabia, adivinhava. Capaz das maiores calúnias. Era o amigo mais íntimo nas vadiagens..  
Quando o Coronel morreu, não foi ao enterro porque estava de porre.
O prefeito resolveu homenagear o Senador que fora o maior orgulho da cidade, encomendou uma estátua  de corpo inteiro no sul tirada duma fotografia do casamento do velho, em traje de gala.Ficou uma réplica do homem nos bons tempos , só tinha um ar de seriedade e tristeza que  em nada guardava a comicidade dos seus  últimos anos.
No primeiro sábado depois de inaugurada a estátua o Borrado tava daquele jeito, e muito agitado, deu para discursar homenageando o amigo. Os matutos ouviram e começaram a gostar:
- Este homem, meu amigo  de bar, meu mestre, meu Coronel, nosso Senador, nosso representante  em Brasília, herói da Segunda Guerra Mundial. Pois este homem (apontava para o nariz do velho ) antes de morrer  me segredou, antes de morrer, ele me segredou ...  E pôs o chapelão “lá vem o bobo”  na estátua novamente. Gargalhada geral. “ Parecia inté que o homem tava vivo de novo!”
Tiravam o chapéu da estátua, mas o Borrado todo sábado repunha o chapelão no velho antes de começar a prosa. E não saia mais disso: Ele me segredou... Ele me segredou ... Ele me segredou...  
- Este homem, meu amigo de  bar, meu mestre, meu Coronel, nosso Senador! Foi um herói de guerra mas não pôde escolher a mãe que teve, nem o pai que não teve ! Digo mais :   o Plínio  não escolheu ter chifres não... ele me segredou.... ele me segredou...
E todos na cidade começaram a dar ouvidos ao bêbado, todos queriam saber o que mais o velho havia contado: Quer dizer então que não tinha pai, hein? A mãe fora danadinha, hein ?  De D. Gertrudes todos sabiam, mas calavam !
- Meus correligionários, este homem ( no cangote da estátua), meu amigo de bar, meu mestre, meu Coronel, meu par nas desgraças, não escolheu ter filho bicha não, educava o menino : Você quer andar a cavalo, Renoir ? Renoir não queria, com aquele nome francês  só queria ficar na cozinha ou na sala, ouvindo fuxicos, falando de moda, copiando receitas, cuidando da pele por causa do sol. - Uma megera daquelas feia e fogosa, e um filho adamado ! O velho morreu de desgosto, mas antes de morrer ele me segredou.,.. ele me segredou...
Os mais segredos do  Borrado ficaram guardados com ele por um ano no hospital por conta de uma briga inventada  em que um valentão pistoleiro e tal  lhe desferiu três facadas, mas na hora de liquidar com o Tunico , o profissional  inventou de dar um infarto e o Borrado virou herói: - matou o desgraçado no tapa !
Acabou-se a prosa do Borrado que se foi embora pra outra vizinhança mas ficou o nome na Praça.
- E Praça do Grinaldo, donde veio, Pai ?
- Grinaldo era Napoleão Pio de Melo. Rapaz velho, delicado, católico ardoroso, uns meneios de cabeça, um gesto ambíguo, um falso ao corpo, mas muito discreto, polido, elegante mesmo. Pois o Grinaldo, sempre tão discreto, começou a ter lapsos de memória. Alzeimer.  Deu para sair por aí, à toa, sem atinar com a volta de casa, deu para ser importante e disparou bem enfrente à estátua do velho :
- Eu tenho classe, viu ? Eu tenho classe ! Meu primeiro homem, foi um Senador da República Federativa do Brasil, meu primeiro homem foi um Senador da República Federativa do Brasil ! Respondia a alguém invisível que, por certo, o insultara no passado.
A platéia foi se juntando novamente ! E todos os sábados era aquilo :
- Eu tenho valor, viu ? Já deitei com coronel, herói de guerra, prefeito, senador. Meu primeiro homem foi um senador .
A estátua ganhou notoriedade outra vez . Agora o Grinaldo trazia sempre um chapéu de massa muito elegante e um terno azul marinho, punha no Senador antes de começar sua ladainha :
- Eu tenho classe, viu ? Eu tenho classe ! Meu primeiro homem foi um Senador da República Federativa do Brasil, um Senador, viu ? Um Senador, e olhava enigmático para a estátua.
Por algum capricho do tempo, a estátua do velho ganhou um largo sorriso e um ar de escárnio, isto  uns dois anos antes do prefeito Renoir rebatizar a praça de Pracinha e retirar a figura do coronel  e guardar para quando se instalasse um museu. Internaram o Grinaldo  no asilo novinho em folha  cuja construção a família Bezerra patrocinou.








Marconi Barros
Enviado por Marconi Barros em 21/08/2011
Alterado em 21/08/2011

Site do Escritor criado por Recanto das Letras
Marconi Barros, um ausente picoense