Marconi Barros, um ausente picoense

Marconi Barros, um ausente picoense

Segura na Mão de Deus, pois ela, ela te sustentará ...

.......... PICOS Piauí brasil
Textos

A Travessia do Rolex
Meados da década de 80 os filhos de Francisco Santos, cidadezinha no interior do Piauí, migravam para Brasília ou São Paulo. Geralmente, findos o dinheiro e as esperanças,  em três meses estavam de volta.
A saga de Zé de Melo na capital paulista durou três anos. Trabalhou como porteiro de edifícios, aprendeu a dirigir, aprendeu a beber, aprendeu a fumar...
- Desaprendeu a falar : ao invés de vixe é agora caramba ! Todos são dele... é uma história de meu prá cá, meu prá lá... ô meu !? Não fala mais isto, este... agora é um tal de isso, esse. Até o nosso “espritado !”  ele abandonou agora é um “ô lôco ?!
A mulherada gostou, os homens, não ! Voltou para Francisco Santos, com o capitalzinho que arranjou montou um barzinho, mas tá aí, o gosto musical não mudou em nada, eram as mesmas músicas velhas e bregas que judiaram-no na infância e assim o Barzinho virou um sucesso, todos vinham ouvir a breguice no três em um.
Os homens da cidadezinha eram bons em comerciar ! Compravam carradas de alho na Bahia, limpavam, entrançavam e vendiam pelo triplo do preço no Ceará ! Traziam redes da Paraíba e vendiam na feira de Picos ! Levavam mel de Picos, traziam bijouterias de Fortaleza ! Juntavam dinheiro o ano todo para torrar nos festejos de outubro, do Imaculado Coração de Maria. Era uma gastança geral, todo mundo nos panos, bebendo uísque, apostando nas rinhas de galo e nas corridas de cavalo ! Ah, jogar baralho apostado, também !
No Zé de Melo o que mais chamou a atenção a princípio foi um relógio muito bonito do qual ele fazia menção, sempre.
- Que relógio bonito, Seo Zé ?
- Relógio não, é um Rolex , Alumim! Máquina suíça, não atrasa nunca, nem adianta.
Com vergonha de perguntar o que era um Rolex ao compadre, Alumin foi perguntar ao juiz o que era a tal máquina .
- Máquina suíça, não atrasa nunca, nem adianta.É o pai dos relógios. Por quê ?
- O Zé de Melo tem um!
- É capaz ! Duvido ! Um Rolex original é mais caro que o Barzinho com todo o recheio.
O Dr. Raimundo Esmério foi averiguar a originalidade da máquina.
- Então o Senhor tem um Rolex, hein ?
- Veja aqui, Doutor !
Zé de Melo pegou a máquina preciosa, pelas abas, virou o cristal na direção do calçamento poroso e arastou com toda a força por dois metros. Escondeu o relógio no bolso e apostou com a matutada e o Doutor como não haveria um só risquinho...
- Pago pra ver !
E pagou mesmo, o Doutor perdeu duas notas das maiores da época porque o relógio estava zerado, nenhum risco.  E o Zé de Melo inda desafiou ...
- Quem conseguir arranhar ganha o Rolex.
Primeiro foi a admiração geral, depois o despeito : Um relógio mais caro que um carro! Só sendo um espritado besta mermo !  Por fim, batizaram o Zé de Melo de Rolex, este no princípio se irritou, achou um canalhismo, depois se acostumou e até se candidatou a vereador : “ Vote no Rolex ! O amigo de todas as horas !”
O apelido pegou, o político não ! Era explosivo: - Não tolero este povinho, sempre atrasado com os compromissos.
E tudo era motivo para ele referir o Rolex :
- Seu Rolex, bota uma pinga pra mim aí !?
- Já bebendo a  estas horas, cumpadre ?
- Uai, o seu bar num tá aberto ?
- Vim só ajustar uns ponteiros . Volte lá pelas, deixe-me, lá pelas quatro da tarde!
- Este padre é uma lezeira... com um sermão de vinte minutos e trinta e dois segundos !
- Os preços estão pela hora da morte !
- Chegou a hora da onça beber água !
- Hora do Angelus !
Começou por acaso ! Apostou com uns amigos, também donos de bar, que faria a travessia do Riachão a nado em 25 minutos exatos ! Ida  e volta !
- Ué ? O homem foi e voltou mesmo em vinte e cinco minutos !
Nos festejos de outubro era aquilo, terminadas as bebedeiras, lá pelas quatro da manhã, antes de ir-se embora o Rolex atravessava o Riachão ! Todos os dias !
- Isso num dá certo ! Reclamou Creuza, aflita. Mas não ligou pros apelos da mulher, nem da mãe, dos irmãos. Virou exemplo de valentia  e força !
- Outubro de 87 o Riachão botou uma água fora de tempo ! Uma água vermelha, a modo que houvesse alguma barragem rompido no lá pra cima ! No último sábado de outubro, Rolex desceu o beco em direção ao rio e não foi mais visto !
O Riachão sempre devolve os corpos em sete dias ! O do Rolex só foi avistado três meses depois, quando uma lavadeira deu com uns restos de roupa nuns ossos quase sem carne !
- Mas o Rolex estava lá, sob o limo, funcionando com perfeição ! O cronômetro ligado, marcando o tempo exato desde o início da última travessia do Zé de Melo !  

Marconi Barros
Enviado por Marconi Barros em 01/09/2011

Site do Escritor criado por Recanto das Letras
Marconi Barros, um ausente picoense