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![]() A VERDADE
Carmo Damião pelo fim da vida, já muito idoso, afirmava que todos têm sua razão. Todo homem, por pior que pareça, tem uma qualidade, pelo menos uma. - Qual a do Antão ? - É o ser limpo. Só anda asseado ! - Ah, isso é mesmo, Damião ! Antão era o matador local, descumpria todos os preceitos, até mesmo os dos matadores mas só andava limpo. - Da Judite ? - Não zanga com criança, por nunca. Judite era a megera, casara, descasara, maltratava os maridos, os vizinhos, maldizente contumaz... A grande qualidade do Carmo Damião era a sinceridade. Não que não tivesse outras, as tinha, muitas: honesto, trabalhador, caridoso, fiel mas irritado ao extremo, não viessem com lorotas e perda de tempo para ele, não, era zangado demais.Era verdadeiro de forma incomum, a seu dano ou a de outrem. Por isso nunca lhe perguntavam nada à toa, era só averiguação séria. Ele nem sempre respondia, mas o silêncio em si já era uma resposta. Carmo Damião não mentia, nem desmentia, era só a verdade. Mas deixa que para o fim da vida, numa tardinha de outubro, Carmo tava no seu quintal, pastorando o céu e a boniteza do fim dos dias. Uma sombra se instalou em derredor da sua data e pelo resto do mundo, tudo escureceu menos para o quintal em que ele estava. Doze passarinhos rodearam um menino surgido do nada que brincava com um cavalinho feito de palha de carnaúba. O menininho era suave e trazia uma paz tornando o mundo lento, Camo sentiu-se como no dia da sua Primeira Eucaristia. - Ara, essa então ! Agora dei pra desandar ? Apertou os olhos buscando a verdade no fundo do fundo e quando os abriu , o menino estava próximo dele e o observava tranqüilamente, apontou para o poente e um beija-flor colheu uma luz do seu indicador. O menino agora corria pelo terreiro e ao tropeçar numa pedra, dois passarinhos se tornaram também meninos e o ampararam, um em cada braço. Os outros dez passarinhos também se fizeram meninos alados ajudaram a levar o garoto pelo Céu e além. Ausente a criança as trevas desceram sobre Carmo Damião e a noite se fez completamente e uma tristeza foi se aproximando dele, e um frio, e uns olhos bonitos o miravam entre sussurros pigarreados, uma onda de ódio concentrado invadira o homem que no entanto ia tornando aquelas trevas em luz ante a simples lembrança da imagem mais bela que seus olhos não conseguiam esquecer: - Era o Santo Menino ! Fica comigo, Senhor , porque escurece ! Nos últimos dois anos de vida Carmo já nem falava, trabalhava por três, quase não comia ou dormia, parecia querer se desgastar, mas não era triste, não. Trazia um sorriso abobado e um ar de quem guarda uma certeza. Esquadrinhava o quintal todas as tardinhas, buscando e se desfazendo de todas as pedras ou obstáculos que encontrasse. Estava sempre pronto, para qualquer viagem. Marconi Barros
Enviado por Marconi Barros em 11/09/2011
Alterado em 29/09/2011 |