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![]() ENCANTADO
O samba comia solto - na época forró se dizia samba, e festa: pagode. Zé Mariano arredondava as notas e de quando em quando floreava. Alegria e tradição: - Home casado só dança com a muié, as fias ou a cumade ! Figura que tivesse no salão não podia enjeitar cavalheiro: - Se enjeitar um, não dança com mais nenhuns ! Afirmava Seo Zé, o dono do forró - Zé Ingazeira, qu’era da Ingazeira mas morava derde muito no Jenipapeiro – abriu as portas do casarão pro povo ser feliz . O sofoneiro era Zé Mariano, mas o dono do ritmo era Bacurau, um negrinho amarelado que ditava o ditado no zabumba, no triângulo ou no pandeiro e se dizia marinheiro marechal, tocava e dançava a não mais poder. Ouvir a sanfona era só pra quem tava na sala de janta mas o tumtumtum do zabumba no baião, coco, xaxado ou no xote se assuntava pr’além do Brejo, da Prensa e do Roncador. - Gente indecente num incosta! Gente de famía também não. Ali estão os cabras do eito e às vezes os patrões no bem perto da política. Mas o pleito era dali a dois meses, o Coronel veio com esposa, filhos e filhas e os cabos eleitorais e compadres vieram também.Todos viravam familiares : - É como um filho, é meu irmão, meu velho, meu amigo ! - Cambada de safado ! Aceitam inté conseio de bebo, beijo de Judas e chapéu de touro ! Desafogava Dadim... - Dadim tá quase no ponto. Daqui a pouco ele chuta o gás, puxa a peixeira e desrespeita nós, que o Sinhô vai fazer, pai ? Perguntava Renoir, filho do Temistocle, este , o maioral dos mais. O velho não deu assunto. Mandar bater em eleitor agora no em véspera só pra perder os votos da Prensa ? Esses menino pensa depressa mas pensa raso, ou comi cru ou comi quente. Nunca vai consiguir caçar ! - Pai, o sinhô vai deixar esta senvergonhiça, um bebo esmoralizando nóis ? O pai de Renoir já contratara João Ferreira, lenhador, bate pau, força bruta conhecido lá no Ingá mas anônimo aqui. E João Ferreira não desgruda um passo do Dadim. E os praças, que são só oito, vão chegar dos Picos no já já para levarem o bate pau se este entrar em ação. No final o velho salva os cumpaêro: livra o bate pau, restitui o bêbado à Prensa e se aproxima mais ainda do Ginu. Mas o Coronel Temistocle agora espiava era pra Rosinha, ô Rosinha bunita ! Pouquinha mas formosa. Branquinha do cabelo preto caído inté a cintura e o mais nem dá pra imaginar ! Ninguém tinha vez com Rosinha. Trabalhava pra todo mundo, lavava, passava, cozinhava mas não carecia, não. Ajudava a mãe na lida da casa, mas roçado não lhe via, tinha três irmãos bons de serviço e o velho Januário, Ginu, era canto de cerca, home sério, no preceito, não arredava um pé da igreja ou da lei. - O certo é certo ! O santo é santo ! Pro bão,bondade ! Pro torto, pranto ! De Rosinha, só conseguiam o sorriso, que era faceira ! Os beijos e abraços dela tavam guardados pro Bacurau que no aviamento duma casa, duma montaria, dos móveis e dum roçado maior ia adiando o casamento e deixando a moça no caritó. - Seis anos derde que a minina fez os quinze, e esperando aquele traste ! Se minha fia cai na boca do povo, dou fim neste peste ! - A moça dança deferente ! Num aceita homi nenhum ! Fica de redemoín no salão com as amiga, dançando lá uma músca só dela que ninguém assunta ! Todos só tinham olhos prá Rosinha. Tomé, Mané, Rumão, Damião, Dadim, Zé de Melo, Gervaso, Bolota, Borrado... Otavo, Olavo, Calunga, Calango, Palito, Espeto... Os barbado tudo. - Os home só pensa nesta muié e o doido do Bacurau vai adiando. Vai fiando, Bacurau ! Primeiro foi Ingracia que arreparou : - Tem um home dançando suzim ! - Num piscão e todos oiavam pro home ! Tava a rigor ! Elegantíssimo ! Não era bonito, nem de se notar ! Mas o fato e a dança destoavam com os mais,a dança casava só mais a de Rosinha. E os todos foram achando o home bunito demais ! -Ele era meão , na altura, na idade ! Nem tanto nem tão pouco ! Tinha uma barba fechada bem cuidada, as sobrancelhas negras como os mais cabelos . Usava brilhantina, e , não obstante ser boquinha, tinha um riso franco de caninos maus ! Olhos sírios ! Orientais ! Nariz aquilino de alças mindinhas . - Se ria um surriso lá dele de bobim ! Tirou o smooking e apareceu brilhando a camisa branca toda plissada, cheia de babados, parecendo um navegante doutro tempo. Na calça a cinta de cetim. - De arrremate o peste botô um chapeuzim cum aba de dois dedos de largo, o ligítimo merda de touro, apois era feito de pele de bode cinza. É prá usar no São João pra ficar mais bobo ainda mas no home ficou não, parecia um santim. - Sinhô Maestro, o Siô me daria uma VALSA ? Esta orquestra me dá uma Valsa, por favor ? Uma valsa ! Uma valsa ! Uma valsa ! O home gritava e fazia figura mermo. Zé Mariano era matuto mas num era raso ! Elevado ali à condição de maestro . O Trio Caninana, elevado à qualidade de Orquestra, era música pros seus ouvidos ! Bacurau acertou a batida e a noite começou de verdade. O Jenipapeiro virou os Picos, ou Oeiras, ou Veneza .Os homens se fizeram mais dócies. As mulheres mais faceiras, e a casa virou um palácio. Todos, os que sabiam, dançavam valsas ! Dum lado a outro do salão, não custou pro estrangeiro topar com Rosinha. E não pediram nada. Se permitiram, apenas. Inclinação respeitosa : - Formosa dama, essa valsa é a nossa ? A moça arranjou uma flor amarela nos cabelos amarrados que deixavam ver o rostinho belo e o pescoço suave. - Um-huuum ! - Pai, o Sinhô vai deixar esta vergonheira ?O home é o cento das atenção ! Ou é pistoleiro, ou algum sitiante aventureiro que vendeu aí um gadinho e veio se amostrá ! Por que é que o Sinhô num dá um fim nisso ? Temistocle num era tolo. Já houvera vistoriado tudo. - Matadô e aventureiro num anda de Burro. Mula é pra home ! Pra quem não foge num tem pressa, mas que vai no longe ! A montaria do home é uma mula pedrês. Inda mais com aquele chapeuzim ridículo, é de paz e é de bem ! O velho tava maravilhado com a dança do home mais a Rosinha. Uma pontada de ciúme mas uma dor respeitosa de pai que casa a fia mais nova ! Agora vinha era um idéia tola... e antiga... O velho procurava, no aperto do salão, uma vaga pra ver os pé do home. E num dava prazo, e num tinha adonde ! Saiu pro terreiro, pitou um charuto e começou consigo lá uma oração no por detrás de tudo. Disdizendo o dito ! O bem dito pelo mal... E apenas esperava que o home saísse pra firmar o pacto. - Todos estes anos esperando, agora ia ser guvernadô !Virou pro poente, ficou no canto da calçada, no canto da cerca, no onde os caminhos se cruzavam, apontou pro oeste ! Viajou no vento, seus olhos traziam as imagens dos da coruja no cimo da matriz do Ponto Cósmico. Rosinha flutuava com o cavalheiro, uma luz irradiava do casal e deixava a casa em paz. O home era respeitoso ! Tinha até anel de noivado ! A noite foi acordando o dia ! O cavalheiro agradeceu a dança e as contra danças ! Tirou a flor da lapela, uma rosa que trazia, e ofereceu à moça ! Agradeceu ao dono da casa, agradeceu a Deus , despediu-se dos mais e lá foi... Montadinho e cansado se afez à sela: - Tenho que tá em Picos, amanhã ! Lá no beco cruzou com o Coronel Temistocle. - Boa noite, meu senhor ? Há tempos que o espero... sou de dia, sou de noite, sou de bronze e do amarelo. Num ato, num desato, num boto, num desboto, mas já que o siô se achegou no canto que é o meu... - Boa noite, Coronéu ?! - Burrinho bunito ! E é manso, né ? - Burro num amansa, só acustuma... - De modos que, eu tava arreparando no senhor e venho propor ... tudo por três inleições de governador ! - Trato feito ! Firmado ! Agora vou, que tou cansado ! E seguiu mesmo que além de cansado tava tontim dos corropios, da pinga e do calorão da sala de dança. O Jenipapeiro ficou em povorosa : - Era home ? Era encantamento ? Era o demo ? Quê d'ele? Daí a duas semanas Bacurau pediu Rosinha em casamento e casou logo mermo... - Num posso facilitar ! Receio do tinhoso. O Coronel Temistocle nunca foi governador, nem nada federal ou do estado. Mas era o prefeito pela sexta vez e esperava agora o engenheiro e quase morre do infarto quando deu de cara com o mesmo home misterioso de há a oito anos. Casado com Dona Marta, pai de uma filhinha de quatro anos, era o doutor José Estanislau Filho, engenheiro que tinha vindo havia anos dos Gerais pra fazer a Passarela em Picos e chegava agora com a muié para erguer a ponte sobre o Riachão. Todos gostaram dele, o Bacurau invitava, o Coronel lhe tinha ódio. Diziam dele : - O Encantado ! Marconi Barros
Enviado por Marconi Barros em 18/09/2011
Alterado em 29/09/2011 |