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Professora, já passou !
Eu tinha 10 anos, ou 11, estudava no Colégio Estadual Landri Sales, terceiro dia de aula, primeira aula de Inglês, a professora perguntou à classe : " - Alguém pode me arrumar uma caneta azul pra eu fazer a chamada ? " Na primeira fila bem à sua frente :
- Aqui, professora ! Estendi-lhe a mão e a caneta, orgulhoso. - Mas eu quero de tinta azul, Filho ! A caneta que eu tinha em mãos era uma dessas de brinde, não dava para saber-lhe a cor só em vê-la. - Tia, é azul ! Recebeu a esferográfica com a ponta dos dedos, analisou-a longamente, deu pela falta do bocal. - Mas eu pedi uma caneta, não um pedaço ! Devolveu-me com rispidez . Humilhado. As mãos suando. Esperei que a turma gargalhasse, eram meus colegas desde o ano anterior. A solidariedade amordaçou-os num silêncio pleno, ninguém teve coragem de oferecer outra caneta à Tia. Ela acendeu o terceiro cigarro, pediu-me desculpas como se me ofertasse uma vacina. Eu sempre tive dificuldades com Inglês. Naquele ano estudei dobrado e me fiz aprovar com méritos logo no terceiro bimestre. Só que fui aos poucos sentando cada vez mais atrás, colando-me à parede até ficar na última fila. Achava que a professora alcançaria meu material de terceira, o uniforme ordinário, talvez o cheiro de minhas axilas após o recreio, as espinhas no meu rosto, meus cabelos crespos na sola ou por cortar . Ela enfrentava dificuldades: marido no álcool, dava nela; seu pai morrera há poucos dias (trajava luto); olhos sempre escuros, apesar das expansões joviais em sala, parecia inclinada a uma depressão. Eu fazia a 5ª série do colegial. Não me julguei injustiçado, não guardei rancor à tia. Seis anos após, no Palácio de Convenções em Teresina, eu era o orador da minha turma, ela me veio à lembrança, agradeci aos mestres presentes e ausentes. Em Picos, muitas vezes cruzei com ela nas ruas, baixava a cabeça, seguia vexada. Dezesseis anos depois, orador da primeira turma da Faculdade de Direito de Colinas do Tocantins, discursando no púlpito pros familiares, amigos, senadores, o Governador, divisei-a na última fila: - Professora ? Toquei-a no ombro. Já se retirava. Enganei-me, era outra senhora. Agradeci a Deus as graças alcançadas. E eu, que no íntimo já a perdoara, riscava aquele episódio por fim, só o registrando agora para que saiba que já passou. Entendo que o que disse, disse-o a mim, mas poderia tê-lo dito a um filho, a um amigo, a um irmão, entes que naquele tempo lhe faltaram.
Marconi Barros
Enviado por Marconi Barros em 29/09/2011
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