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SOBRE O ÉDEN
- O das plantas é um; das frutas, outro; das flores aí é que é outro mesmo, mais breve. Dos insetos é um, ( uma abelha vive 120 dias, uma formiga 60 , a borboleta vive 15), dos bichos graúdos, outro. Veja o elefante, pode durar até 80 anos. O pior deles é o do homem. Porque sabe que se esvai.
- Qual o tempo maior, Marcos ? - É o das baleias e golfinhos. - Por quê ? - Respiram com pulmões igual a gente mas vivem no meio líquido. Ali há sofrimento, então a sua jornada é a de mais aperto. Marcos , o homem do tempo , filósofo do Djogo, tentava me convencer de que os aqüícolas existiam em angústia, submetidos à falta de ar, à dificuldade de locomoção, à visão turva. Tateavam com a audição, pois que elas também se tornavam líquido. Não acreditava que tivessem olfato, idéia absurda ! As baleias e os golfinhos eram os que mais sofriam, pois o sistema respiratório deles semelhava ao nosso. Ridículo, pensei, uma baleia sem fôlego. Considerando este sufoco explicava-me que um dia para uma baleia era como um ano para nós. Por isso sua sapiência e mistério. - As baleias são espíritos das águas, dizia, a água torna-se um grande tecido, uma segunda pele destes animais... talvez a primeira. Não me convenci daquelas baboseiras : Baleia, sufocada ! Espírito das águas ! Contudo, pela madrugada tive um sonho aterrador, a atmosfera adensando-se, adensando-se, uma cerração, e o ar virava água, acordei asfixiado. Por conta de polêmicas assim ganhou fama de sábio ao princípio, de estranho em segundo, e por fim de maluco. - Tanta lezeira. Num tem o que fazer ? Vai trabalhar. Dá-lhe um dia de capina na roça que ele vai filosofar no fundo da rede em sono e silêncio e deixar o acordo das coisas, dos bichos e do mundo para Deus. Certo é que o amigo da sabedoria compunha no mesmo dos dias sua biblioteca natural, e do que em princípio era acúmulo de dados começou a editar sentenças : sobre a safra, sobre o tempo, clima, política. Já houvera mapeado o céu dando a cada constelação o nome de um casario familiar. Se o primeiro minguante cair em treze de fevereiro, as larvas dos gafanhotos despertam ...(Três anos depois, verificou-se o que falara). – Coincidência ! Três barras crepusculares rabos-de-galo seguidas no poente dos cinco últimos dias de julho, boa safra de mangas, aborto dos caprinos, onça ataca próxima lua nova e ano seguinte morte por afogamento de criança no córrego da ponte. Tais cadeias lógicas ninguém decifrava. Mas acordavam com os acontecimentos. Suas previsões eram profecias. Andava ultimamente a desconfiar do tempo. - Há dias que passam mais rápidos. Outros nem existem, são uma lembrança de algo que ocorreu, mas que nos ficou impresso, nos beliscamos e perguntamos “ espera !isso já aconteceu antes !”. - Cabal. O tempo é o que temos de mais estabelecido. Não há avanços nem retrocessos, nem pausas. O tempo flui. - O que lhe garante que agora, neste mesmo momento, há 10 km de distância o tempo que estão vivendo seja o mesmo em que agora mergulhamos ? - É fácil, é só ligar para lá agora . Vamos ligar pro Teotonho que está em São Paulo, à 3 mil km e perguntamos a hora ! - Não é tão simples. E se houver um mecanismo de sincronia que ajuste as diferentes consciências do tempo. - Isso é obvio que há. Os neurônios. Agora, acho que você perdeu os seus. É isso, você tá sem o seu mecanismo de sincronia. Olhou-me sombrio e triste. Perguntou-me pausadamente : - Dona Santinha, como vai ? - Bem ! - Ela ainda fala com o teu pai enquanto dorme ? - Como é que você sabe disso !? - Apontou-me uma estrela, que depois disse-me ser Júpiter ! Fique de olho naquele astro, meu amigo. Ele chama por tua mãe. É lá que teu pai está. E em dois meses ela também estará. Um aperto no peito. Marcos nunca errara. A alça do caixão do meu pai ainda doía-me nas mãos, tatuagem da memória, e já fazia 6 anos... Vendo-me soturno : - Bobo ! É brincadeira. Gargalhou. Amuei, com mãe não se brincava. Se bem que ele não conhecera a sua, mas aquilo não se fazia. E ficou-me cá uma angústia. Sempre rezava para o meu pai. Agora olhava todas as noites para o quinto viajante , e pensava em que ofício estaria Seu Mendes ocupado. - Não quero você andando com o Marcos, bom menino, mas desencaminha, ouviu ? Desencaminha. - Certo, Mãe ! Os dias foram consumidos em meses e anos, todos abraçamos um trabalho, e quem não alcançasse: roça; na própria, ou de meia.Marcos virou roceiro, bruno, mãe morrera deixando-lhe casebre plantado sobre um cercadinho. Divagações diminuíram, aos poucos sumiram-se, não as publicava. Transformou o roçado magro num sítio que batizou Sertão. Pomar e verduras, que o povo do lugar era preguiçoso e só plantava pra panela. Integrado à natureza humana e real, não parecia mais avulso, ia à missa, comungava, recebera até afilhados. Fomos compadres. Sua terra cultivou aos poucos, tornou-se sua segunda alma : as plantas ignoravam a escassez dos agostos e os excessos dos janeiros No casario, não havendo frutíferas em quantidade, nada de passaredo, era só pardal, pardal e pardal. No Sertão era diferente, com primeiras levas de goiabas, acerolas, mamões assomaram abelhais atraindo um coro de passarinhos em ópera repisada, secundados ora por um grilo em coro, ora um sapo tenor, ora uma cigarra.Pássaros não ocorridos nas árvores do povoado, agora moravam na sua propriedade. Flores, quem ligava para flores ? Marcos ! Revelaram-se em cores inéditas para a região. Água, uma cacimba tornou-se córrego. - Até cana-de-açúcar, para quê, homem, isto empobrece a terra ?! - É, mas perfuma ! E verdeja. Na maturidade casara-se com Rosália que não pode lhe dar filhos mas abrandou a paisagem desolada que havia de si. O progresso de todo ainda não chegara ali, o casal desenvolveu-se lentamente galgando prefeitura e prefeito, a realidade foi empurrando Marcos ao passado, naquela época eu o via em púrpuras e não me julgava digno de ministrar-lhe as sandálias.O tempo assentou-se nele que se amiudou, virou uma história, lembrança, lenda, e hoje me pergunto se ele existiu fora de minhas composições em pessoa terceira e primeira.
Marconi Barros
Enviado por Marconi Barros em 19/04/2008
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